quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Querida Querubim-Bege

E quando escrevo nesta torrente intimista fico a salvo da preguiça deslizo azuis esferográficos em paralelas traçadas no branco papel que me recebe cúmplice.
Vivo em todos os lugares e sou assim porque transcendo.Falo a verdade porque ela é mais rápida que a mentira.E não minto,fantasio,me enredo em encantamentos na magia do não sofrer.
Tinjo de dourado a pílula,todas aquelas nos vidrinhos em cima da geladeira.Vitaminas e ômegas.Tudo em dourado ... a vida, a cédula de papel,o cartão visa, as unhas,os cabelos,o baby doll sem uso aguardando estréia.
O sangue dá voltas no oroboro do corpo por veias e artérias.O coração pulsa explosivamente,lateja e denuncia desejos.Dá ordens para detonar o peito.
Nas noites escrevo para fazer-me companhia.Queria dar-me ,receber-me.Que falta sinto de mãos abusadas a tocar-me o corpo.Lábios oferecendo agrado num sobe e desce encantado.Murmúrios quase palavras bem próximo do que me tange a alma.
E me acendo a noite,lembranças bailam a minha volta como se eu fosse fogo.
Ao abandono como a roupa na cadeira depois da festa escrevo o caminho do avesso e levo ao mundo o meu reinado,antigo na soma do tempo.Frágil orvalho que se desfaz com os primeiros raios de sol.Nem sei se existo neste registro de inexistência.
Todos os meus mais queridos nesta hora dormem reféns dos dias iguais.Nada que faço é previsto,preâmbulos,penumbra,a luz que gosto onde gero palavras e me dissipo.As rosas florescem à noite,acordam frescas,prontas em beleza, perfumadas batizam o dia com cores-rosa ,branca,encarnada.
Faz tempo que o brinde acabou.
-Quando?
-Como não percebi que o tempo encolheu e o mistério se desencantou.
-Como não pressenti o coro de ladainha forte da vida doméstica que desviou sua atenção.
-Como?
-Como não percebi que a semente selvagem se perdeu na mesa entre as bijouterias e secou entre as moedas do mundo.
Manso amor, tenho sorte no consolo da pena que esparrama nossas vidas salpicando letras onde existiam carícias e suspiros respondem pela doce loucura dos beijos.
Escrevo o tom da existência pálida.Amplo bege,caminho das areias mornas que devo seguir no imaginável,sem promessas de amante.Ir para esquecer sua delicadeza,seus gestos de bondade.É tudo estranho.Bege.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Querida Querubim-A espera

Ela fuma uma cigarrilha de sálvia.
O aroma da erva queimada espalha-se pela sala e mescla-se ao incenso de sândalo que queima lentamente.Odores de acento marcante.
Olhos baixos em versos livres de espera sem espectativa alguma.Espera vazia em que o tempo longo escorre pelo espelho.Não intenta decifrar o destino, cheia de preguiça, o sangue quente lhe aconchega as entranhas.E corre por veias e artérias um desejo manso por doses de carícias.Sua natureza inteira de nudez velada pela seda macia de cor tênue e fugidia.Suas formas de mulher, seus vales, colinas, florestas, a delicadeza do umbigo redondo, nem fundo nem raso.A curva das axilas lisas com cheiro de pele, deliciosamente naturais.
Um fragmento de um poema longo quer chegar na pausa do cérebro.E passa fugaz.
Ungida por um fluído misterioso de amor num rito de cortesia serve-se de vinho fresco de cor encarnada e sabor forte.Precisa de exaltação física e espiritual neste abandono a letargia.
Um estado de felicidade indefinível,o desejo refinado pela espera.
Idolatra o amor que a redime dos homens e a aproxima dos anjos.Voa como um anjo belo seduzida pela atração do encontro que faz palpitar seu peito.O amor é a prova que a enobrece.
É uma mulher não uma santa.Sente coisas entre o prazer e a dor.Ensimesmada estende sua imaginação pelas paredes do cômodo cor de rosa decorado com quadros sensuais de casais em mandalas amorosas..O que lhe toca são corpos que ondeiam febris nas duplas chamas de suas fantasias.Ela longa,estendida entre as almofadas frias de cetim salmon.
Seus dias.
O barulhinho da água percorrendo os canos da casa.O tic tac do relógio.
O bocejo.O espreguiçar de gato.A penugem das coxas.O ventre em concha de receber. Os seios em bicos de doar.
A espera.
Este sentimento estranho com seu cortejo de emoções,sensações,obssessões.As curvas,os portais do corpo,os dedos a passar docemente pela nuca.Os fios longos dos cabelos espalhados em desordem arrumada.
As peras em calda na taça de cristal, o aroma de licor e cravo da Índia.
Rosas sem espinho no jarro, pétalas caídas sobre a pequena mesa de canto.O labirinto da solidão desafia a busca pelo sonho.A essência do amor em estado artesanal.
Ela ama.
Fez-se assim, sem fadiga, no conforto das horas sem pressa, deu-se o direito ao prazer.As meias finas de mulher repousam na banqueta de veludo bordô.
O copo d água pela metade, o retrato com o vestido de festa.As paredes cúmplices.Um conjunto de forças sutis e impregnantes que a servem enquanto espera.
E espera.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Se houvesse amor a vida seria carícia

Pela janela espero um anjo
Se tudo fosse mágico não haveria fim
O perfume bastaria como um voto de paz
Sem pensar a felicidade estaria guardada
sempre à espera em um lugar belíssimo
que por tantas vezes eu vi
Se houvesse amor a vida seria carícia
A última palavra,ojardim de rosas
O meigo cão a guarda que basta
Os robôs guerreiros na promessa de paz
trazem a guerra
-Onde estar a salvo?
E,no entanto,o que sucede na sala do castelo
onde se decide o destino do rei?
Deflagrar o espetáculo
Todos atentos
É real a vida
Procuro as armas no fundo do coração
onde as guardei um dia
Além do rumor do mundo feio e confuso
os rios são frescos,pássaros cantam
Acender de velas para entender a importância da questão
Que não quero crer
nesta espécie truculenta e animal
que se faz de fúria
As conversas com os gerânios
Os suspiros das bromélias
Rosas de todas as cores
Borboletas
um vento bom
Calor e conforto
Ternura para o tempo triste
O mundo não é quadrado
Volto ao ponto de partida
Caminhei
Caminhei
Ralentar
Falar com a alma
é o princípio de tudo