"Andábamos sin buscarnos pero sabiendo que andábanos para encontrarnos"
Cortázar,Rayuela
São quase dezenove horas,há três horas ela conta o tempo de espera por ele.A noite deve abençoar em sombras daqui há alguns minutos.Hora em que ele deverá chegar em sua casa.
Preparada para lhe servir encantos e prazeres, naquele quarto dos fundos que agora se assemelha a câmara de amor de um castelo,tal o requinte com que preparou o cenário e invocou as deusas para a celebração da oferta de seu destino.
O impulso cego que os tornou amantes na intensidade de um amor impossível.
Seus corações batem em melodia sublime.Certeza e tensão expressa em desejos que se completam em sensualidade erótica e êxtases incorpóreos.A chama vermelha da paixão acesa em pétalas pelo chão,a chama azul tremula de amor,dançando nas velas dos castiçais.A chama dupla da vida.
Se necessitam e se socorrem nas satisfeitas urgências que se oferecem.As ideias num mesmo clarão de pensamento.Unidos nesta vida pela conexão fugaz de amantes.Intensos e exclusivos um do outro.Assim ela acredita e sem ser assim seria uma história nascida morta.
Ele pertence a classe dos moralistas na aparência ,busca romance,essência.Sua rotina é monástica.Dorme antes da meia noite e acorda pontualmente ás cinco horas e trinta minutos,nem um minuto a mais e nem um minuto a menos.Seus dias são presos ao automático dos dias ,à fuga da falastrona mulher a incomodá-lo cobrando-lhe vigia.Os ardilosos pretextos de inocentes escapadas com o cão na coleira,os negócios sempre além do horário do expediente,as inúmeras reuniões,o encontro nos clubes.Entre eles o perene duelo cansativo e frouxo,os gritos impacientes tomando conta das salas,de todas as salas.O histerismo devorador de griffes e dinheiro,todo e muito dinheiro em notas grandes,cartões de crédito.As compras, um mix insano do exagero.
Toda esta situação lhe amargava a alma,toldava-lhe o semblante,fatigava-o.Ele precisava de um refúgio,um canto de paz.Quer se envolver com alguém que lhe atenue as dores,trazendo-lhe novo vigor e outras emoções.-Mas como sair por aí catando mulheres,experimentando aventuras? Não.Ele queria aquela mulher que o arrancasse deste sombrio estoque de vida mal vivida.
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A mim, o trajeto do desencanto perdendo em ilusões e histórias não correspondidas a ilusão do perene.
Não fiquei nem mais ,nem menos triste,fiquei leve pronta a tornar-me sua amante.
Nos queremos assim, sem nos transformarmos em coisas.Existia uma profundidade misteriosa entre nós,sendo ele homem de economicas palavras.Quieto e claro
A vida com ele dançava à minha frente enquanto ele me provia de cuidados e me encaminhava em abraços a seguir sozinha.Estruturava minha liberdade,oferecia condições ao meu voo e incentivo ao meu espírito escorregadio.
Impregnada nele,dele,minha alma sorria,falava,cantava,dançava e, sem medo eu me abria para tudo,o avião que me levava,as terras novas que descobria,as emoções serenas,o céu.
Compunha sinfonias dos versos do caminho, rumores da distancia,as diferenças que se abriam nas fronteiras dos lugares por onde me alongava em ofício de escrever.Escrevia nas madrugadas e pelas manhãs bem cedinho anunciava o dia com um poema novo que lia ao telefone.
Ele ouvia calado.
Às vezes eu interrompia a leitura e perguntava:-você está aí?,tal era o silêncio que me chegava de sua alma.
Nas noites em que nos encontrávamos tudo era dia e transpirava luz e brincadeira.Um giro estreito em bocas que se buscavam,avançavam querendo outros cantos de maciez.
Encontros leves,tudo se desfazia em imagens que tento reter sem alcançá-las,escapam ligeiras em ritos de prazer, ecos...
Um amor de bem estar,bem amar,bem viver.
Em casa ele ficava à vontade.Deitado na minha cama olhava para o teto do quarto,os braços dobrados sob a nuca,um pouco reclinado.Buscava o infinito.`As vezes eu o pegava olhando meus passos e aí displicentemente eu o provocava tirando aqui e largando ali ,ou lá, alguma peça de roupa.O cálculo do instinto vem com sabor e ritmo.Este ritual de despir-me deixáva-nos excitados .Em cena ,nós ,dois adolescentes desfrutando das emoções tardias,na força do impulso amoroso que nos arrancava da terra, e nos envolvia em amor.O tempo desaparecia na unidade dos nossos corpos,na fusão total das nossas almas,a morte.Sem esta morte a vida esta vida que vivemos não é vida.O amor é um regresso à morte...a boa morte onde tudo deixa de existir.Tocávamos o núcleo mais íntimo de nossas existências.
Nossos pedaços de noite exclusivamente dedicados ao amor.E tudo era bom.Quando ele se despedia e descia pelo escuro até a rua eu fechava os olhos para aprisionar toda aquela sensação de permanência.Ficava assim até a música parar de tocar.
Essa sou eu.Esse é ele.
E posso sentir que nesses momentos o mundo parava de girar .
Recolho-me ao eixo do silêncio e sou só um coração que bate.Sou uma prece.