domingo, 28 de setembro de 2008

Querida Querubim


(continuação de Querida Querubim-primeira postagem deste blog)
Sábado a noite.
Tempo de acrílico.Espelho de cristal bisotê.Tudo acontece ao mesmo tempo.Dança até o sol nascer.Se atira na vida.Perde o fôlego...de tanto beijo,,,,,,,tanto beijo.Esbanja charme,glamour,atitude.Tem ressalvas e adendos.Arrepios decote a dentro.Champanhe Veuve Clicquot resume a vida sem piedade para cortar o excedente. Ser faz tudo e ser perfeita.Brinda à lua.Brilha estrela.Quando a festa acaba quer sossego,voltar a calma sem burburinho.Ócio que alimenta a inspiração que chega na querida solitude acalentada.Anda a pé.Adora as ruas. A sombra das árvores na madrugada.No meio fio da calçada equilibra-se no barulho dos tacos.Lê a cidade,sábia coruja.
Domingo
Ficará dormindo até o além da tarde porque é domingo.O anjo do jardim corroído pela chuva,rodeado pelo silêncio do meio dia .Ela amanhece com sorriso pequeno,boceja o sossego.Brinca no espelho.Comovida com a vida que não entende e vive.O sorriso tranquilo na boca do domingo.Papéis de ontem embolados no lixo.Ela queima mentiras.
Pega o vestido largado na cadeira,perto da cama.Usa um colírio para os olhos mentirosos.Afaga o cão.Morde a maçã.Larga-se nua na cama.Solta as pernas brancas e macias.Toca a beleza parada do corpo,acaricia os cabelos,molemente espreguiça-se.Se perde em devaneios ,a mente vaga sonâmbula pelos labirintos do cérebro.Olha-se com franqueza...se acha bela,lisa como a seda.
Conheceu muitos homens.Disse sim .Esperava o paraíso.Desliza a mão pela nuca,coça as costas num afago.Lá fora chove.Inventa a vida a cada momento,faz o que seu corpo pede.À sua maneira é livre.
É domingo,dia de missa.Pensa nas mulheres que vão à igreja conversar com Deus.Espera flores.Lê jornais.Uma moça como ela...como ela é afinal?Gata preguiçosa sem notícias do dia lá fora.Examina as unhas.Se distrai olhando para os seios da mulher do quadro.Seu olhar canta fantasias,sua boca audaciosa,seus dedos impertinentes.Ela quer...Gosta de plantas.Os anjos passam na calma das horas.O vestido a chama,um dia talvez escreva um romance de amor.
Aprendeu a viver em todo lugar.Trabalha e dorme.Acha a vida espetacular .Viaja.Devagar come os bagos das uvas verdes e frias.A janela alta dá para a rua.Deserta.Os pés miúdos pisam no chão são leves.A vida é doce e generosa.Pronta para voar.Moinhos de vento.Tão diferente das outras mulheres.Esquece o tempo.Sempre há algo novo.
O vestido.A tarde morna e húmida de domingo.O céu está perto.Ela gosta de ausências.Ama o amor longe.Vive entre a clareza e a harmonia.Entre o beijo e o aceno.Conta histórias de neblinas e fadas quando resolve falar.A cidade um navio fantasma.Quis inventar o amor.Recusa a hipocrisia,a repetição monótona das horas.Adia para sempre a história de amor que como a concebe não consegue viver.Há um clima de espera.Sempre há.
E escreve.Constata as diferenças com meiguice.É compassiva e tolerante.
Ah!!!!! os homens.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Brasil meu chão

Estou quente no íntimo,vagando entre frear a pressa e deixar-me ir me refrescar.Tornar-me àgua de esperança.
À margem, a vida palpita lá fora na Rua da Glória mas aqui está bom.Neste meu território vou me refazendo,vou me desfazendo,quente.Em banho- maria vou me cozinhando em sonhos ,projetos,inventos de ida e volta.
Aqui onde ninguém tem acesso me guardo inteira.Minhas vozes.As paisagens lunares que flutuam no meu escuro mesmo sendo este dia solar.Quanta luz banha este tempo enquanto tento tornar-me leve,usar as pausas,ser mais breve em meus intentos,mais pés e chãos mudando de mundo onde as aparências contarão a menos e as vivências sobreviverão engravidando livros
nascidouros de poemas,flores e novidades que arrebatam a vida e impelem a deixar-me ir na correnteza de um rio escolhido no mapa por ser calmo,limpo,transparente.
Minha alma a me conduzir um passo à frente e é incrível ai é que eu encontro a fragante infância
pai,mãe,meus avós.As garrafas de vinho vazias com as velas derretidas.O cheiro de manteiga a granel na água.O bolo assando no forno.Os cheiros todos.A cebola dourada sobre os bifes.O azeite estrangeiro regando a sopa de feijão no prato fundo.O alho frito temperando a escarola.Todos os cheiros da cozinha.O café coado na hora que meu pai servia.O louro,o toicinho frito,o pão de torresmo.O molho de macarrão feito com tomates maduros que minha avó cozinhava em fogo brando em horas de conversa com as panelas.O bolinho frito polvilhado com canela e açucar agrado de minha mãe nos dias de chuva.
Pescadas,saladas,verduras,
bistecas,batatas fritas
arroz e feijão
ovo frito
abobrinha,xuxu,moranga
costelinha de porco pururuca
couve cortada fininha
e todas as farinhas de milho,de mandioca
as pimentas de arder os olhos.
_E o cheiro das bananas macias com coco e caramelo?
_as cozidas de São Tomé?
_ e as banans da terra, fritas?
Sou tão Brasil nesta semente que a terra guarda quente dentro de mim.
É o meu rosto que envelhece abençoado.Em cada ruga o aceno a uma história que se abre em
pessoas e paisagens.Lugares que me guardaram e outros onde me ocultei buscando a sombra para realizar reparos.
Estou assim mais vagarosa pelo menos hoje,nesta tarde morna vivo a minha idade verdadeira
entendendo minha vida,os laços,a minha gente e suas vozes por cima das casas,dos prédios,dos apartamentos.Das casas sem teto,das casas de chão.Mas não é ai que meu povo sofre,nosso inverno é húmido e enregela até quase matar,não temos calefação,mas não mata
E o meu povo segue a luz de um Deus brasileiro que é só coração.
E o meu povo segue e o que lhe falta mesmo é a dignidade de ter o dinheiro justo o preço de sua alma esticadas pelos dias.
Bandeira em cores da nossa terra verde,amarela,branca e anil onde se adivinham cantigas e ritmos que só nós sabemos sapientes que somos de nosso trabalho,de nosso fervor a este altar de Deus.
E todos nós os brasileiros queremos nos salvar desta corrupção tão descarada onde a cara de hoje já será a de outro amanhã.
Meu País.Meu País é rico.
Sou brasileira desta terra afortunada.
O meu Brasil já caminhei por ele longos trechos.Já estiquei lugares em moradia.Já fui São Paulo,Minas Gerais,Goias,Bahia.
O meu povo é feliz contudo é triste porque lhe roubam nas noites a alegria dos dias.
É estou aqui parada,só com vontade de sossego,pensando no meu bloco de frases e palavras tão lusas como um dia foram tão brasileiras como são agora para além do quarto onde estou em glória,quanto percalço,quanta desordem,quanto regresso.
Brasil.
Brasil é gesto.É o que me colhe e me enche de tamanho de raízes em terras e traço de destino.São
minhas serras,meus mares doces e quentes
meus rios e poentes
os divinos horizontes
brotados em sol do meu ventre
Brasil
minha gravidez de raça
meu parto de memórias
minha estância de história
meu estado de graça
E aqui estou além do oceano tentando entender de povos e culturas,estendendo o olhar,teimando a atenção por tudo que acontece no caminho.
Cansada fico por estar semeando em outras terras a semente viva que trago no meu peito e que na minha terra sumiria terra abaixo pois vivemos num tempo em que o saber espera e a ordem do dia é não mexer palavras e deixá-las a morrer frias.
O tempo me conduz pelas idades.A vida me tornou em versos,amores e cidades.Sou assim,cheia de vida desde criança quando brincava de índio no jardimda praça.
Sempre quis saber de tudo e ousei malabarismos,manuscritos,travessias e encantos.Falante,escrevente,nômade,itinerante.Proficua na boca cheia de letras,fantasias na cabeça,magia nas palavras.Confiro as terras palmilhando estranhez,engraçadez.A areia dessas praias,as águas frias que no meu corpo tocam.A verdade,a mão que guia,as rotas que me levam.
Aprendi a andar no escuro,a ser breve nos enganos e estar atenta nas fronteiras.
E hoje vôo estando leve neste quarto batendo asas em festa de escrever.Aqui o meu atual acaso,o mirante de onde avisto a todos e a tudo o rio Tejo,o Douro,o Sena,o Mondego, o Amazonas, o São Francisco,o Rio da Prata,e os miúdos rios Trancoso e Tatuí,águas minhas tão profundas
Minha presença hoje distante da minha terra na necessidade de exílio voluntário,memórias desbotadas,lembranças vivas e algo que pesa no viver da idade
E o que avança é o futuro,o desejo de viver,a família,o que virá,a esperança,meus amigos e uma imensa saudade
Lisboa,rua da Glória,10

sábado, 6 de setembro de 2008

Estrangeira

Vivo sempre a situação de estrangeira.
Inquieta em ficar.Na hora de fechar a casa dói ter que partir.Depois passa.
Jogo sobre a cama as roupas e com cuidado as dobro uma a uma,criando sistema de espaço.Nas frestas coloco os sapatos,nos bolsões as calcinhas,soutians,nas laterais as meias finas a caixa de perfume.
Invento roteiros claros de afeto e aventuras que bebo para me sentir doida de vida absinto de literatura abstrata.
À roda dos sonhos passa-me a viagem e caminho entre a cena sendo eu o vale indiferente,o limo da pedra que rola,o gozo de viver o presente,o sabor de ser a água fresca,o perfume de almiscar e alfazema.
A vida que invento com surpresas,acasos ,sensações me guarnece de desejos.E amo sentir tudo,alimentar as profundezas da alma na corredeira do destino.Sendo o vento a espalhar no céu
a força dos meus cabelos.
Não são os lugares que passam,sou eu na destreza silenciosa da fala,na viagem escrita.Na brancura da espuma,no murmúrio do regato,no longo trecho de estrada.
As lágrimas secam nos olhos vivos de novidades.Sempre tem quem me espera do outro lado da ponte.Há comida nova no fogão,música e lâmpada acesa.Banho de cheiro ,festa,regalos.
Alem disto o mundo,o secreto diário lacrado.Os segredos.A bagagem que me segue passo a passo.
O sono atrás das portas,lugares de pouso,casas de amigos,amor no peito partido.Tangem os sinos de todas as cidades,os campos férteis,morangos colhidos na relva.O espírito à frente do corpo.
Chego antes porque quero ir,sempre assim,sou maior que o tempo no chegar das horas.
O desejo é combustível leve como a roupa que me despe na correria dos momentos desaflitos sem tormento.
Todos os pores do sol,todo cintilar da lua.O todo tudo sem restrição alguma.Manhã,estrela,orvalho,alvorada.
Sou a estrangeira que passa na imagem pertencida aos caminhos.